Neste apanhado da C. Galeria, os artistas, por meio da reconfiguração de paisagens e narrativas, apresentam obras que rompem a ordem ideológica, econômica, política e legal da contemporaneidade, seja interpelando signos e símbolos de identidade, como nas fotografias de Emerson Uyra e Rafael Bqueer, ou reconectando a relação entre natureza e ancestralidade.
Pau Brazil
Diego Martins
Com as chegadas dos europeus, a constituição do que seria forjado por nação brasileira foi marcada pela exploração de pessoas, matérias e territórios. A violência física e simbólica constitui drasticamente a nossa identidade, perdurando registros que sublinham subjetividades e costumes. Mais de cinco séculos depois, ainda como uma semi-colônia, o país que conhecemos despreza origem e memória e perdura a afeição pela tirania e o controle de corpos.
Em Divisores, Paul Setúbal com suas toras de madeira remonta à construção de um mourão, estacas de sustentação de cercas de fazendas que demarcam latifúndios. Os dentes de ouro, como metonímia dos mortos nos conflitos por territórios, cravejam a tora de imbuia, madeira de lei como o pau-brasil, matéria-prima para os caros móveis das fazendas coloniais. Paul continua em Porque os joelhos dobram golpeando incógnito as paredes de um cubo branco. Golpeia até cansar e se exaurir, mostrando-nos a violência como uma energia débil para a construção do nada ou a quantidade de energia que é preciso para produzir violência. Aqui, o corpo encarna a prática do objeto. Com o passar do tempo, no vídeo, o artista vai se tornando expert no manuseio do instrumento. Paul nos mostra processo de formação e confissão de subjetividade ao qual é submetido e nos recorda da nossa latência à canalhice quando não nos conhecemos.
Embora a nossa grande recognição aos portugueses, não é possível ignorar que cultura brasileira advém dos povos originários, os verdadeiros donos da terra, por assim dizer. Os indígenas são a perpetuação das manifestações das divindades. Ruan D’Ornellas converge os desconhecidos (ou esquecidos) ancestrais brasileiros ao Brasil operante da atualidade. Em suas pinturas, nos convida a olhar pra essa similaridade genuinamente brasileira e, portanto, identitária. As cores e suas camadas nos auxiliam o desvelar destes seres encantados. Generosamente, o artista busca evidenciar nas linhas a sua personalidade ímpar enquanto pintor, tracejando o imaginário popular do povo das matas e seus animais, uma estampa dos seres de luz, ao qual devemos respeito e agradecimento. Ruan, para além de cultuar as divindades, aponta nas pinturas, embora como imagens ficcionais, um discurso incisivo que se permite como um contraponto de contos e lendas perpetuados por uma cultura de oralidades que nos alenta.
Os ícones afrolgbtqi+ de Rafael Bqueer, artista paraense, tensionam a imagem enquanto representatividade num jogo do artista com a Pop Art. A série uóhol, um trocadilho com o nome do Andy Warhol, também alude à gíria uó, amplamente utilizada pelas comunidades lgbtqi+ dissidentes do Brasil. Uóhol subverte a branquitude do artista estadunidense com uma série de personalidades negras que servem ao imaginário de artiste enquanto bicha preta e à resistência política no Brasil. Jorge Lafond, Madame Satã, Leona Vingativa, Paulette e Márcia Pantera são figuras imponentes do imaginário brasileiro contemporâneo que orbitam a
luta-resistência da comunidade gay e preta frente ao patriarcado heteronormativo, cisgênero, branco e sudestino. Para além do país estereotipado, imprimem uma marca de identidade e poder do (r)existir diverso que se confunde com a trajetória do próprio artista.
Embora emerja na atualidade um retrato do Brazil arcaico e insistente, uma desmemória que intenta uma eugenia de expressões que não prospera, apesar de tudo, no Brasil contemporâneo, pelo contrário, uma herança estética e política de luta imprime-se nas dissidências, na insistência em existir e fazer lembrar. A simbiose dos grupos regionais, identitários e étnicos diversos é o que permite a pluralidade na cultura brasileira. Em Pau Brazil propõe-se um recorte de obras que enfrentam as singularidades dessa identidade, tensionando elementos históricos e contemporâneos, revelam problemáticas perenes do país histórico. É como se, desta vez, pelo Brasil, não se quisesse esquecer.
10 de junho 2020
Projeto desenvolvido pela agência TREAT, sediada em Viena, a Not Cancelled Art Fair foi a primeira feira virtual de arte que a C. galeria participou em 2020. A feira aconteceu de 10 de junho a 8 de julho de 2020. No Brasil 57 galerias participaram ao longo de 4 semanas, grupos de 25 galerias por semana de 9 estados diferentes, apresentaram 106 artistas.
A C. galeria apresentou obras de Paul Setúbal e Eloá Carvalho.
5 a 9 de Abr / 17
Integrando o setor showcase, a C.galeria apresenta os artistas Bruno Belo, Marcos Duarte e Maria Fernanda Lucena.
7 a 10 de Abr / 16
Integrando o setor ShowCase, a C.galeria apresenta as artistas cariocas Eloá Carvalho, Maria Fernanda Lucena e Piti Tomé.