“Ante os anúncios de uma Terra inabitável,
a poética de uma reconciliação entre terrenos
traz esperança crítica a outros modos de estar no mundo”
Carta a terra – Ailton Krenak
“Ante os anúncios de uma Terra inabitável, a poética de uma reconciliação entre terrenos traz esperança crítica a outros modos de estar no mundo” Carta a terra – Ailton Krenak Nossos corpos estão sempre em transformação, somos seres multiespécies, em nós habitam muitos e compartilhamos uma só terra. Para firmarmos essa compreensão, trabalharemos juntos na abertura de caminhos que nos reflorestem, recuperem nascentes, festejem e compartilhem bens comuns. A resistência será pensada em simultaneidade com a natureza que somos.
A partir de algumas narrativas em torno do conceito de natureza, essa exposição apresenta diversas possibilidades de vida na terra. Somos convidados a nos conectar com cada ser, cada vida, cada entidade, cada folha, cada ancião. Ao retornarmos à terra nos lembramos da fragilidade dos nossos corpos e da força da terra imediatamente abaixo de nossos pés.
Natureza é um desses substantivos que têm um uso vasto e variado. Podendo se referir ao conjunto de seres vivos ou a concepção de que todo o universo é natureza. Essa exposição reúne artistas que investigam formas de ser com a natureza, ela fala conosco, ela dá sinais e por isso, ‘Seiva’ é uma investigação sútil sobre formas de estar no mundo.
Adentramos a exposição com uma língua-onda, que se abre como a boca do mundo. Na primeira sala, convivemos com obras que relacionam o direito à terra, a agricultura familiar e saberes ancestrais. A luta de movimentos sociais pelo combate à fome, o alimento que vem da terra e que nos faz terra, as diversas linguagens, saberes, mitologias e dizeres ancestrais que nos orientam.
Na segunda sala reconhecemos o território sagrado das plantas, as mãos que cantam cada erva de cura, que moldam a terra para fazer cabeças e seios que alimentam a vida. Corpos se preparam para guerrear quando for preciso.
Nosso terceiro território amplia a narrativa do sagrado meditativo em relação ao sagrado cotidiano, é preciso que vejamos natureza em um gato ou no ninho que se faz sobre a caixa d’água. Como introduzido no livro ‘Natureza e Gaia’ “…os ameríndios não possuem em seus idiomas vocábulos que traduzem o termo natureza, por conceber a realidade como um contínuo no qual humanos, animais, plantas e estrelas se conectam e possuem moralidade e responsabilidade na produção e na reprodução da vida.”1
Nosso último encontro é com a cobra grande, serpente mãe, que conecta continentes, atravessa o mar profundo e navega entre tempos de lá e de cá.
Ao estarmos com a natureza, não estamos propondo perspectivas de controle ou proteção, mas de participação e co-responsabilidade. Em ‘Uma ecologia decolonial’ o autor Malcolm Ferdinand relata que “A ecologia decolonial é uma ecologia de luta. Longe do ambientalismo da arca de Noé, que recusa o mundo e prolonga a dominação dos escravizados, trata-se de questionar as maneiras coloniais de habitar a Terra e de viver junto.”2 Como nos ensina Ailton Krenak é tempo de reconciliação com aquilo que já somos.
Catarina Duncan
1 Natureza e Gaia, no livro Regenerantes de Gaia de Fabio Rubio Scarano A humildade é uma questão de corage
2 FERDINAND, Malcolm. Ecologia Decolonial. UBU Editora, São Paulo, página 197