Diego de Santos

Qualquer Brisa Verga

18 de março a 12 de maio

Sou como a haste fina, qualquer brisa verga, mas nenhuma espada corta.” Na canção Carta de amor, Maria Bethânia nos oferece esse verso, que expõe a potência da fragilidade. Aquilo que é maleável, se afeta, mas se mantém vivo. Os métodos de resistência da natureza tem as formas mais sutis diante da insistência da brutalidade da vida. “Qualquer brisa verga” é uma homenagem ao vento, à brisa e às forças da terra que vencem, sempre, a insignificância humana.

A exposição parte de pequenos gestos de resistência do artista diante de suas vivências em relação à especulação imobiliária, nas obras da série ‘Casa Pé na Areia’ e ‘Sem entrada’ e a um histórico de precarização do trabalho, nas obras ‘Documento Fantasma’, ‘Fantasma Hereditário’ e ‘Poema 193’. Questões políticas fundamentais a todos, como a garantia de direitos de moradia e trabalho, se tornam poesia e expõem a fragilidade estrutural da nossa sociedade.

Em Caucaia, cidade natal do artista no litoral cearense, faixas de ráfia anunciam a venda de imóveis na região. O dispositivo publicitário é desfeito pelo vento cotidianamente, desfiando
e desafiando os métodos excludentes da especulação imobiliária e financiamentos. Diego trabalha com o vento, coleta esses resíduos e os transforma, expondo essas estruturas e
propondo outras. As esculturas ‘Sem entrada’ materializam as armadilhas desses dispositivos publicitários enquanto as pinturas de ‘Casa Pé na Areia’ nos oferecem outras vistas sobre a questão, sempre utilizando transferência de pintura de faixa de ráfia sobre
tela ou madeira.

O livro ‘Contra a Hidra Capitalista’ do subcomandante Zapatista insurgente Galeano relata a necessidade de manutenção da resistência diante dos sistemas que nos oprimem, para ele; “se você parar de raspar a fenda, ela se fecha. O muro se restaura por si mesmo. Por isso é preciso seguir sem descanso. Não apenas para alargar a fenda, mas, sobretudo, para que ela não se feche.” Essa imagem se aplica na sutileza da insistência da brisa, que diariamente desfaz os muros que insistem em chamar a terra de propriedade. A oposição entre Humano e Natureza nos gerou um distanciamento enorme sobre as formas de ser, de habitar e experienciar a vida, transformou nossa relação com a terra e uns
com os outros. Essa exposição escancara as estruturas que não fazem sentido e são, por isso, esvaziadas, ocas.

Na segunda sala encontramos as obras ‘Documento fantasma’ e ‘Fantasma hereditário’. A primeira apresenta uma carteira de trabalho disposta sobre uma mesa de camelô em estruturas que remetem ao teto de pequenas casas. São carteiras de profissionais da cultura que nunca foram utilizadas ou assinadas mesmo por trabalhadores de grandes instituições. A segunda é a carteira de trabalho da mãe do artista, que trabalhou a vida toda e também nunca teve sua profissão reconhecida no documento. Cada página contém o desenho de uma concha, que evocam esse vazio ancestral. A tradução livre de “empresa fantasma” em inglês é “shell company” (empresa concha), uma metáfora de empresas que, sem escritório e
funcionários, funcionam apenas no papel.

A estrutura e as obras são exemplos de atividades informais vulneráveis a impactos sociais e econômicos. A arquitetura espontânea e vernacular, frágil como a haste fina, sustenta modelos burocráticos sem sentido. O capitalismo segue operando na ordem do desejo e contaminando nossas formas de sentir e sonhar, o artista segue resistindo, raspando o muro, queimando,
rasgando e desenhando para refazer as nossas formas de nos relacionar com a vida. A filósofa Isabelle Stengers, em seu texto ‘estamos divididos’ fala sobre a condição de separação entre humano e natureza, “nós somos a natureza defendendo-a de si mesma”.

Como uma sina ou maldição insistimos em nos apartar, mas aqui o artista se propõe a ser parte de um projeto maior, em que o tempo do vento e da concha imperam, e nós apenas participamos, juntos e em relação, sem impor nosso desejo sobre o outro, seja bicho, seja
gente, seja terra.

Seguindo as palavras de Galeano, “partimos do pressuposto de que o sistema capitalista é o sistema dominante, mas isso vem junto com a certeza de que ele não é onipresente, nem imortal. Existem resistências.” O sonho e a crise são apresentados nas entrelinhas, nas sutilezas e na capacidade de transformação da falta em potência. As obras de Diego de Santos nos relembram o quanto as coisas poderiam ser outras.

Catarina Duncan


  • A partir de 2, 2023



    Acrílica e transferência de pintura de faixa de ráfia sobre tela

    60 x 60 cm


  • Infraestrutura Completa, 2022



    Acrílica e transferência de pintura de faixa de ráfia sobre tela

    30 x 40 cm


  • A 3 Min. De Ca, 2022



    Acrílica e transferência de pintura de faixa de ráfia sobre tela

    50 x 40 cm


  • 6X25 Lançamento , 2022



    Acrílica e transferência de pintura de faixa de ráfia sobre tela

    40 x 50 cm


  • Fantasma Hereditário, 2020



    Caneta esferográfica sobre Carteira de Trabalho da mãe do artista

    13 x 18 cm [cada]


  • Poema 193, 2016-2017



    Fuligem sobre conchas
    [detalhe]


  • Poema 193, 2016-2017



    Fuligem sobre conchas
    [vista]


  • Poema 193, 2016-2017



    Fuligem sobre conchas
    [vista]


  • Faça Seu, 2023



    Acrílica e transferência de pintura de faixa de ráfia sobre tela

    60 x 60 cm

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