A C galeria exibe duas mostras individuais simultâneas. As artistas Laura Villarosa e Maria Fernanda Lucena apresentam um grupo de trabalhos inéditos.
Villarosa desenvolve uma pesquisa em torno da pintura de paisagem, empregando materiais tradicionais do fazer pictórico, pincéis, tintas e mediums, mesclando-os com materiais de bordado, tapeçarias e têxteis. É interessante notar o quanto tais procedimentos e técnicas atualizam e tensionam o pensamento em torno de uma categoria aparentemente ultrapassada como a pintura de Paisagem.
A utilização pela artista de meios artesanais culturalmente vinculados a um fazer feminino ganha aqui contornos políticos e questionadores.
A obra de Laura rejeita o lugar do artesanal como mero artefato decorativo e feminino. Em seu trabalho, a artista propõe um jogo em que em uma primeira mirada não entendemos exatamente o que estamos vendo.
São bordados que mimetizam pinceladas e passagens de cores; são tricôs que geram imagens condensadas de paisagens. Tudo vibra, tudo está em constante movimento. O simples ato de contemplação é transformado em vivência reflexiva e transformadora.
Em tempos pandêmicos, nos foi ceifado o direito mais simples, o de estar diante da natureza e contemplar uma paisagem. Em seus procedimentos técnicos e formais, Villarosa nos conecta e mostra a possibilidade de questionarmos os problemas relativos à passagem do tempo, à memória e às transformações geradas pelas mudanças climáticas.
Maria Fernanda Lucena apresenta um conjunto composto de pinturas produzidas sobre objetos e tecidos de organza. O Retrato e a Paisagem são os temas escolhidos por Lucena.
Suas pinturas de retratos são constituídas por fragmentos e superposições de imagens de origens diversas, como retratos de amigos ou anônimos, slides, fotos e objetos garimpados em feiras de antiquários. Para formar esses personagens inventados, partes ou pedaços de origens distintas vão se juntando. Identidades de gênero fluidas e mutantes. Nada é o que parece, tudo é parte ou fragmento.
Com grande maestria no manuseio de materiais e tintas, além do controle de uma paleta de cores que traz delicadeza e beleza, a artista cria imagens intrigantes e questionadoras. A leveza e transparência da organza nos permitem entrever objetos organizados no interior dessas pinturas. Objetos carregados de memórias e sentidos. Entrelaçamentos intrincados e complexos de imagens e objetos num constante câmbio de sentidos. Jogo visual repleto de sensações e experiências.
Essas duas mostras em diálogo têm a difícil tarefa de contribuir de algum modo com esse momento de reconfiguração de mundo. Fernanda e Laura produziram esses trabalhos em plena pandemia, informação que merece uma atenção especial no que diz respeito aos novos modos de se perceber e entender as complexidades existenciais.
Efrain Almeida