Em Ainda sobre o tempo, uma série de artistas abordam por meio das suas poéticas indagações que emergem da problemática do tempo, seja a partir de questões densas e históricas ou do instante que concerne a leitura de uma paisagem. Em ambos aspectos residem a problemática das artes visuais como um instrumento de referência temporal cujas lacunas da ausência ou as marcas da presença podem contribuir para a evidência ou apagamento de narrativas.
Com sobreposições em seus trabalhos, Laura Villarosa traz à tona a conjunção de um tempo-imagem. Suas composições amalgamadas são a metáfora da constituição planificada das paisagens: camada sobre camada, tempo sobre tempo vão constituindo o olhar atento e analítico da artista sobre as imagens ordinárias que nos cercam, atribuindo a elas novos significados que lhe permitem uma sobrevida. Quase como uma antítese, Aline Moreno se interessa pela paisagem como processo mental, dissecando o significado de uma imagem ao esgarçá-la no tempo. A artista traz na articulação entre reproduções fotográficas e desenhos algumas questões da interação humana com a natureza.
Na sua obra, a artista Uýra Sodoma também explicita as contradições na relação entre pessoas, tempo e natureza. A urgência e a relevância do discurso de Uýra pode inicialmente contrastar com os elementos mais legíveis das suas composições. É, no entanto, a emergência nos corpos LGBTQI+ que complexifica o discurso de sobrevivência. O país que mais mata LGBTQI+ no mundo foi também o que ficou reconhecido pelos retrocessos ambientais cujas consequências foram assistidas na Amazônia e no Pantanal neste memorável 2020. Na esteira do tempo como indício de violência, Ruan D’Ornellas, no trabalho apresentado para esta exposição, aborda o apagamento da cultura negra e das tradições da umbanda revelando ainda as marcas do cerceamento simbólico e visual que tiveram origem e sistematização nos séculos de escravização dos negros pelos brancos.
Enquanto isso, Marcos Duarte traz nos resíduos das paisagens decompostas pelo tempo uma oportunidade de perspectiva. Formas que insinuam uma ausência de vida são refutadas pela organicidade e a memória vívida da sua investigação. Já o artista Bruno Weilemann, nas suas pinturas, interessa-se pelos fragmentos de informação. Reconstituídos em sua obra, eles elaboram uma narrativa que, nas múltiplas finas camadas de tinta, inevitavelmente também compõem uma narrativa temporal. A arte é também um retrato do agora. Assim, Vitor Mizael enfrenta o tempo presente, poética e metaforicamente, a partir dos seus desenhos. Traços que, embora revelem a beleza, também tensionam as incongruências da contemporaneidade.
Na atualidade, atravessamos uma transformação trazida pela pandemia e o confinamento que complexificaram a percepção sobre o tempo, até então totalmente subvertida ao capital que monetariza instantes a partir da lógica da produção. A disputa revelada pelo conjunto de trabalhos apresentado evidencia a ambiguidade própria da arte que também afirma o lugar do tempo pelo lucro, apropriando-se dos discursos contra-hegemônicos numa espécie de concessão. Mas mais do que tensionar contradições, o que parece mais importante em Ainda sobre o tempo é, pela arte, discutir imagens para vislumbrar possibilidades de sobrevivência e de esperança que nos permitam atravessar os tempos de crise. Para tanto, é necessário observar, rever, prever, reconstruir. Só assim será possível criar não uma, mas diversas possibilidades de futuros.