#Indelével
O presente nos imputa uma tarefa árdua e densa de lidar com registros e memórias, que são parte do que nos constituímos, inclusive pelas ausências. Nossa existência, baseada numa excessiva ideia de ser, é cotidianamente defrontada com narrativas. Em Indelével, seis artistas discutem a memória explorando toda sua pujança estética e conceitual, mediando narrativas para o mundo.
A artista Julia Milward confronta a fragilidade da memória na sua relação com o tempo-espaço. Por outro lado, as marcas de ausência no trabalho de Márcia Morelli confrontam a própria plasticidade veículo da sua poética, apropiando-se dela como discurso poético. De formas diferentes, as artistas questionam o elemento físico como um agente determinante da experiência da memória equiparando presença e ausência como possibilidades de expressão.
Nas fotografias de Letícia Lampert, são confrontados os limites da invisibilidade e da certeza sobre o real, para tratar da linha tênue entre paisagem e imaginação. Nesse percurso, Piti Tomé dá vida a histórias invisíveis protagonizadas por desconhecidos criando uma possível narrativa que se dá, como em um jogo de liga-pontos, pela associação entre as imagens, textos e documentos expostos. Em ambas pesquisas há um certo protagonismo para o acaso e o revelar de discursos ocultos ou desconhecidos por intermédio das obras.
Já Maria Fernanda Lucena concebe suporte e pintura como uma única ideia partindo de imagens ou fragmento de imagens que já existem no mundo para construir narrativas. Eloá Carvalho, igualmente, parte de fragmentos e recortes de imagens pré-existentes para criar possíveis lugares elaborados no pensamento do espaço e nas relações e gestos das cenas que sustentam as narrativas ficcionais. Embaçam, assim, memória e ficção, tensionando o limite do real na construção de orações visuais.
O conjunto de trabalhos apresentado em Indelével tensionam camadas, amálgamas e sobreposições imagéticas e discursivas, elaborando narrativas que oferecem novas oportunidades para o olhar. Permitem contar novas histórias sobre o que parece estar determinado e inventar novas formas de enxergar o mundo.
Lugares, paisagem e cenas são enunciadas por essas artistas que nos concedem oportunidades de ressignificar o ordinário, revelando lembranças que talvez sequer tenham sido vividas. Esgarçam a memória como um lugar menos restrito na semântica conceitual, o que permite explorar esse território de imagens nem tão real, embora também nem tão imaginário assim. A infinitude da memória, nas artes visuais, constrói possibilidades para um mundo descompromissado, cujo imaginário coletivo enriquece o jogo poético.